sexta-feira, 26 de março de 2021

Grito pandêmico

não aguento mais olhar pra esse varal do lado de fora eu não aguento mais acordar e ter esperança de que as coisas voltaram ao normal eu não aguento não saber o que fazer com a máscara que eu usei somente pra atender o cara da entrega não aguento esse cheiro de 3000 mortes por dia que vem junto com o cheiro de café não aguento ver gente emoldurada numa tela não aguento lidar com a morte do meu padrasto não aguento mais sentar no vaso e perceber que acabou o papel tem meses que eu não aguento não aguento ligar pra mãe dele não aguento não aguento essa sensação de que ele vai vir me visitar a qualquer momento não aguento aquelas mensagens de igreja que ele mandava todo dia não aguento esse presidente não aguento puxar mais ar não aguento respirar com máscara não aguento mensagem de grupo não aguento esse medo de que algo vai acontecer não aguento essa dificuldade de sentar e escrever não aguento esse latido agudo desse cachorro aqui de cima não aguento esses vizinhos fofos aqui do lado não aguento gente que grita não aguento meu humor diante disso não aguento disfarçar antipatia ou repulsa não aguento mais guardar ressentimento não aguento aquela amiga que manda áudio de 8 minutos cheia de razão não aguento com certezas que transbordam não aguento mais beber tanto vinho não aguento as bases estruturais desse país não aguento esses eleitores idiotas não aguento a possibilidade de ignorar o que se diz não aguento banalizar a palavra não aguento mais sentir vergonha de ser brasileira não aguento gente se lamentando em grupo de whatsapp não aguento mais não conseguir dizer exatamente o que eu gostaria na hora certa não aguento mais inventar rotina dentro não aguento mais de saudade do árabe do largo do machado não aguento mais perder amigos conforme a idade avança não aguento mais me olhar no espelho e ver o tempo passando não aguento mais esses poucos cabelos brancos bem do lado esquerdo não aguento mais acompanhar série não aguento mais os excluídos agredindo os agressores não aguento mais gente reclamando do tempo que vive não aguento mais ressentimento disfarçado de rebeldia não aguento mais ver jornal não aguento mais saber de alguém que morreu não aguento mais ouvir a voz do presidente não aguento mais não aguento a arrogância da psicanalise lacaniana não aguento mais bloquear número de telemarketing não aguento mais esse ventilador barulhento não aguento mais ouvir falar de privilégio não aguento mais domar dia pós dia intensamente a agressora que mora em mim.

sem querer

definir não fazer 

é quase fazer sem querer

acho delicado o tema, mas vou tentar antecipar essa coisa do não fazer

não pular de assunto pra assunto sem compromisso com o fim ou o meio das coisas

dar tempo pra coisa se manifestar sem querer apressar um dado, um acerto ou desacerto

esgarçar alguma coisa que possa chegar num tipo de limite que não será dado por mim, porque eu não saberia dá-lo

não desejo desejar o fim pra que ele se apresente por ele mesmo

não falar muita coisa porque me parece que já estamos todos surdos demais, falantes demais ou cansados demais dessa coisa que não finda, desse looping que ensaia uma comunicação

por algum motivo eu também não quero dizer muita coisa, eu gostaria de tentar dizer alguma coisa que ainda não tenha sido dita

não dizer mais de tudo que já está sendo dito


uma pessoa, em vida, tem no máximo dois grandes assuntos, com sorte dois, um cansaço que dá de toda essa coisa que não pára de falar na cabeça o tempo todo


desejo antes

desejo de não perder sem saber do retorno

- ai, e ao mesmo tempo vontade de que tudo isso se foda, eu não escrevo pra ninguém

eu quero essa coisa que não termina porque quase que não existe


não quero

não escrever o que existe

inventar um estar no mundo

inventar um antídoto com palavra

eu não acredito mais no longe 

eu posso dar o agora o bom do agora o estar agora o olhar agora eu não quero falar de futuro nem de passado eu quero falar do que acontece eu quero que acabe de sair do forno ou que talvez não saia nunca que fique lá eu não quero não desejo emitir nenhum tipo de juízo de valor eu não acho que seja sobre isso agora eu ainda não sei sobre o que é pra mim todo esse processo é meio apavorante porque eu realmente não sei se dou conta de toda essa coisa por dizer com alguém dizendo também isso sempre me pareceu pessoal demais íntimo demais eu não desejo que seja tão mais sobre mim quando entende demais cansa a cabeça não quero me arrepender por não ter dito algo quero que seja preciso urgência em se manifestar manifestação do agora no agora estar no agora pra dar conta de tudo que atravessa não se proteger não falar sobre o que há por trás o que aparece o que vem antes o que chega sem pedir licença o que plana na superfície o que simplesmente acontece não cavar fundo receber o que está na borda pedindo socorro eu quero conseguir escrever um pedido de socorro. 


quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Aventura


Esse texto me aconteceu basicamente a partir de uma pergunta: quem seriam os donos da rua?

 Dono:
substantivo masculino
1.       1.
proprietário, possuidor.
"d. de um terreno, de uma loja"
2.       2.
aquele que tem completo poder ou controle; senhor.
"ele tornou-se d. da situação"

Dono. A gente pode decidir entender aqui de uma forma rasa que dono, dono se qualifica por uma pessoa que passou mais tempo habitando aquele lugar, quando há lugar, quando não há, poderíamos dizer que seria alguém que passou maior parte do tempo de encontro com essa coisa, ou mesmo e simplesmente, alguém que possuiu o poder aquisitivo para garantir a compra dessa coisa. Pensando na rua, pensando no conceito de itinerância, me veio essa coisa da rua, do meio urbano enquanto um lugar em si, um lugar casa, um lugar grande, um lugar que serve de passeio pra muitos, mas que serve de parada pra alguns. Quem seriam esses "alguns"? O que poderia unificar todos de alguma forma enquanto proprietários do que chamamos de rua? Penso que esses sujeitos seriam vendedores ambulantes legais, camelôs, flanelinhas, moradores de rua, são pessoas que de alguma forma se colocam nesse lugar de circulação e estacionam por lá, eles habitam lugares específicos e poderíamos dizer a grosso modo que eles se caracterizam como obstáculos no modo de vida e funcionamento urbano. O flanelinha se acredita dono de vagas de carro, o ambulante se acredita dono do ponto, os moradores de rua, cada um no seu lugar, escolhem um pedaço de rua pra chamar de seu.
Nesse caso eu estou descuidando do conceito de utopia, e pensando mais no conceito de itinerância (já citado como ponto de partida no projeto) e aventura (que inauguramos como um lugar de pesquisa).

"Diante desse cenário, pergunto-me: como e para onde caminhar? A partir dessa
pergunta, este projeto prevê a criação de um espetáculo itinerante e site-specific no espaço
urbano da cidade do Rio de Janeiro, tendo como norte dois conceitos-chave – itinerância
e utopia – e apostando nas potencialidades éticas e estéticas das noções de paradoxo e de
precariedade.
Itinerância é qualidade daquilo que se move para todos os lados e lugares e que,
por isso mesmo, se (re)atualiza constantemente. Pressupõe deslocamento, viagem,
trajetória, caminho, percurso, rota, roteiro. Diferentemente da errância, a itinerância
pressupõe um ponto de partida e um ponto de chegada – e por isso mesmo é também um
exercício de autonomia e de escolha"

Me aproveitando dessa definição de itinerância, fiquei pensando nesses "donos da rua", fiquei pensando no que não se move nesse cenário. Não move até que chegue um tipo de ordem que expulsa o que ainda não foi legalizado. Me interessa mais aqui pensar os espaços não legalizados, mais enquanto algo que não tem valor determinado e como algo que não passa pela padronização de um bem. É simplesmente um espaço que foi possuído e decidido como seu. E é nesse espaço, ou próximo dele, que estamos nós, transeuntes, que passamos entre um afazer e outro. A gente passa, depois volta pra casa, pra nossa casa, pro nosso lugar, tira os sapatos ao entrar, toma um banho quente (ou frio) e se vê livre da sujeira e do frio (ou calor) da rua.

Casa
substantivo feminino
1.       1.
edifício de formatos e tamanhos variados, ger. de um ou dois andares, quase sempre destinado à habitação.
2.       2.
família; lar.

Casa. A casa enquanto conceito pode ser pensada num lugar completamente sufocado de segurança, nesse sentido, não há espaço pra nenhum tipo de acaso, ou errância. A casa é onde tudo funciona a sua maneira, isso gera uma sensação de conforto e pertencimento. A casa necessariamente trabalha numa relação de contraposição, ou compensação em relação ao espaço urbano.

A partir também dessa definição de itinerância, podemos pensar que nosso ponto de partida e chegada é variável, e a variante se dá exatamente a partir da presença desses "corpos-rua". A partir também dessa fala eu me pergunto até que ponto essa autonomia e escolha são reais. Existem dois pontos: A que leva a B, mas esse caminho pode ser alterado diariamente a partir dessas posses ambulantes, nesse caso então, uma possibilidade notória de "aventura"deve, ou pode, passar por esses corpos. Nesse caso também, o mínimo desvio de uma reta já conhecida em função de uma nova habitação já poderia ser uma potência de encontro vertiginoso. Agora, se a casa, enquanto casa traz a sensação de conforto e segurança,  será que nesses lugares, nessas "habitações-rua" a sensação é de que? Como é ter ou ser casa no espaço urbano? O que resta do conceito casa com a presença da imprevisibilidade? Como que a gente, não habitantes, não donos, podemos ser o lugar, antes de habitar, o que consiste em ser esse lugar? E habitar? Que características permeiam essa habitação? Me parece que essas pessoas, esses habitantes da rua, são a nossa grande fonte de pesquisa e observação. Porque são eles os responsáveis pela mudança na rota, nesse caso, são eles que vindo na nossa direção, ou em outra direção, nos fazem mudar a nossa direção. Talvez eles sejam a grande onda, e talvez a nossa questão não seja furar, mas entender de dentro o que seria esse fluxo, e quem sabe, juntos, corporeificar essa grande onda.

Coma


A gente achou, eu achei que ele ia levantar de repente e dizer que era tudo uma brincadeira. Parecia que ele ia começar a dançar. Eu achei que ele iria tirar aqueles tubos na marra, e reclamar de frio no pé. Do jeito que tava a expressão, parecia que a qualquer momento ele ia dar uma gargalhada dessas sonoras. Eu achei que ele ia abrir o olho, como foi da última vez, abrir o olho, sentar e pedir um cigarro. Eu cheguei a trocar aquele cano da boca de lado porque pensei que poderia machucar, e eu sei o quanto ele sofre de alergia. Fiquei imaginando que diria alguma coisa muito rabujenta e começaria a cantar aquela música que ele cantava toda vez que ainda queria acreditar. Parecia mesmo. Eu achei que. Foi só um silêncio que tinha como fundo um burburinho das enfermeiras e aquela máquina que ainda insistia em acusar os batimentos cardíacos. A máquina trocou o som de repente, passou a apitar continuamente, de forma aguda. E a gente ficou ali olhando. Nada aconteceu nesse meio tempo, a máquina seguiu apitando, a gente ficou ali parado e ele, ele só morreu mesmo.


É engraçado porque eu acho que se ele pudesse escolher, ele não teria escolhido estar assim, em coma. Ele foi induzido a algo. 
Mas será que existia alguma escolha? 
Quem fala por você quando você já não pode falar? 
Quem tem a coragem de falar por você quando nem você conseguiu no momento em que ainda poderia?

Eu respondo: ninguém.

COISAS QUE NÃO ACONTECEM (Um curta ou algo curto)


O QUE VEM ANTES (OU PRÓLOGO)

Câmera mostra  uma xícara grande de café, ela pega a xícara, pega o jornal em cima da mesa. Câmera não revela o rosto. Ela abre na parte do horóscopo, que diz: Hoje é o primeiro dia do resto da sua vida.
Entra o nome do filme.

CENA 1
Começo. Essa cena tem a imagem desconectada do áudio. O áudio é uma conversa no salão, a imagem é ela andando na rua (sem mostrar seu rosto), a câmera só mostra o que ela vê, ela vê várias cenas banais de pessoas sozinhas, tipo um cara sozinho no bar, alguém lendo, alguém ouvindo música, ela não pára de andar, ela não é vista nem pela câmera, nem pelas pessoas.

Diálogo:
- Está uma graça
- Eu sei, mas corta. Quero na altura do queixo.
- Você não quer um pouco mais curto? E se eu cortasse aqui nas orelhas?
- Você acha que ficaria melhor?
- Mas se você cortar bastante você pode doar o cabelo pro lugar que faz peruca pra crianças com câncer.
- Você conhece esse lugar?
- Não.
- Ham. Então eu acho que vou cortar no queixo mesmo.
- Você pode deixar crescer mais dois centímetros? Depois você volta aqui, eu corto no queixo e você ainda pode doar o cabelo. Fica melhor pra todo mundo.
- Todo mundo? Olha, eu realmente preciso fazer isso hoje. Hoje é o primeiro dia do resto da minha vida.
- Ah, eu tive um dia desses semana passada.
- É mesmo? Como é que foi?
- Eu acordei e pensei. Esse é o primeiro dia do resto da minha vida.
- E aí? O que aconteceu?
- Dirigi até o trabalho.

CENA 2
Ela está sentada no Bob’s tomando milk shake, fazendo barulho e olhando ao redor, câmera ora fica nela, ora mostra as pessoas. Ela avista um cartaz de concurso de canto, vai até lá por curiosidade, câmera foca as informações do cartaz: Concurso para cantor de chuveiro. Venha soltar sua voz! Esse pode ser o primeiro dia do resto da sua vida! Câmera foca nela chocada com a coincidência, ela olha ao redor, arranca o cartaz.

CENA 3
Ela está em casa sentada no sofá com o cartaz no colo. Liga pra uma amiga.
- Eu to pensando em me inscrever num concurso de canto.
- Mas pra que?
- Pra cantar, eu acho.
- Mas você canta?
- Acho que ainda não.
- Mas de onde tirou essa ideia?
- Ah, eu vi um cartaz quando tava no bobs.
- Bobs? Você não tava de dieta.
- Tava. Mas hoje é diferente.
- Diferente como?
- Hoje pode tudo.
- Olha eu vou ter que desligar, estão me chamando aqui. Você não vai trabalhar?
- Não, eu vou me inscrever no concurso....
(A amiga desliga. Barulho de telefone ocupado)

CENA 4
Câmera filma o público, ela começa a cantar. Tem uma câmera atrás dela que vai subindo aos poucos. Até mostrar o cabelo bem curto com o público de fundo. Camera fica parada até ela terminar de cantar e o público aplaudir. Ela termina de cantar e sai pela frente num corredor, câmera continua parada, ela fecha a porta.

CENA 5
Música The Robot (Alessi´s Ark). Câmera mostrando as pessoas na rua da mesma forma que do início.
ps: Nesse momento eu gostaria de passar a sensação de que talvez nada disso tenha acontecido. Não sei como...
A cena continua enquanto os enquanto os créditos aparecem.

FIM

terça-feira, 18 de julho de 2017

Sobre buracos, bolinhas e jabuticabas.




Foto: Francesca Woodman.

Ela estava cansada disso tudo e decidiu, não ela não estava, ela cansou tem pouco tempo, cansou de ver essas caixas todas abertas querendo dizer alguma coisa, cansou de todas essas dores que passeiam pelos seus músculos, e ossos, e vísceras, e tudo isso que ninguém vê, pensou que seria legal abrir um pouco do vestido pra deixar ver, pensou que tinha aquele buraco logo acima e que se tivesse logo abaixo as pessoas poderiam fazer uma associação. Livre. A gente se pergunta o tempo todo o que fazer com esses vazios que ainda insistem em permanecer dentro dessas caixas sem fundo, a gente, no caso seria ela e a outra pessoa dona daquele buraco lá de cima, ele não me assusta, me sôa familiar, ele é um lugar conhecido do qual estou sempre partindo pra depois voltar. sabe o que acontece? eu me visto com esse vestido de bolinha, me abaixo logo abaixo desse buraco, abro um pedaço do vestido percebendo a semelhança entre nós e não sei que fazer com isso, eu percebo que cada bolinha dessa no fundo é um buraco que fizeram em mim, são várias cicatrizes redondas que eu fui colecionando de um jeito bonito e simétrico por não saber fazer diferente. A verdade é que eu nunca soube como dar conta de todo esse espaço pra dentro. Tudo passando muito rápido pela cabeça, movimentar, arrumar as caixas, as caixas eram o foco, o tempo dentro daquelas caixas, mas o que fazer com o tempo dentro da minha cabeça? Oco. Me senti derretendo, mole, tudo mole. Sim, eu sentia vergonha, vergonha daquele vazio todo, de todo aquele espaço a ser preenchido, eu era tudo aquilo que faltava naquelas caixas, naquele buraco, era tudo eu, tudo meu, memórias. Ela precisou ficar abaixada, porque de muitas formas tudo parecia desabar, e junto com isso a casa flutuava, hora se firmava de um lado, hora do outro, e eu ali no canto direito sem saber o que fazer com as mãos. O chão irregular, as paredes tentavam se firmar no prumo, prumo de que mesmo? A jabuticabeira, ainda tinha a jabuticabeira, ela morria a cada dia, assim como a gente morre também, mas esquece de ver, cada jabuticaba que caía vinha direto virar buraco em mim, e esse vestido, quanto mais o tempo passava mais ela era seca e oca, ela quem? securas sem cura. Jabuticaba, buracos, bolinhas, falar com Deus. Não quero mais a certeza das laranjas sempre no mesmo lugar.

domingo, 4 de dezembro de 2016

borbo



Ela decidiu voltar pra dentro de. ela percebeu que essa coisa de ser borboleta, de ver borboleta e de dar borboletas pode não dar certo em alguns casos. melhor ficar, parar, se concentrar pra não perder as suas. tudo acaba acabando mesmo. e se, por acaso o seu estoque secar, ela seca também. 

"só se pode encher  um vaso até a borda, nem uma gota a mais". caio

nada a mais. nada mesmo.  fique com os seus rumores de dentro de si, não vá muito pro lado de lá, não precisa ser tão insuportável, senão sangra. senão a vida fica cinza e dentro também. cuida pra que dentro as cores estejam equilibradas. não oferta demais. agora trata de receber. já foi o tempo do que não pode, já foi o tempo de aparar as coisas que voam. se cortar mais, morre.  nem uma gota a mais. é secando que se renova de qualquer forma. agora trata de fazer assim, olha ao redor, procura caçar as borboletas que estiverem precisando de casa, coloca dentro da cabeça, conserva a vida, conserva o vôo, conserva o que sempre foi teu, depois você solta, recicla sua cabeça pra voltar pra'quilo que sempre te ajudou a fazer parecer possível, reencontra essa coisa de magia que alguém disse que não tinha mais. não desperdiça as cores que te ficam, o tempo trata de cuidar disso, não deixa que esses outros tratem de acelerar essa falta, não deixa que peguem nada sem devolver, se pega azul, devolve rosa, mas devolve. se não devolve, não dá mais. senão acaba. pode acabar, mas quando acaba, a dor volta ainda mais forte. cuida da vida sem dor. 
não, não pode acabar não. cuida do teu estoque pra não colar no chão.

os passarinhos aqui de fora não param de cantar mesmo nesse dia cinza.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

ansiedade de amor

Poderia dizer que ao se ansiar no amor um roteiro pronto e mal feito  - , desses cafonas que no final  as coisas se ajeitam, que as pessoas dizem mesmo o que é importante dizer, não guardam a sete chaves e só revelam minutos antes da sua morte, era um tipo de roteiro clichê, mas criativo, o desafio era encontrar os furos interessantes nessas histórias que a gente só sabe que existe quando assiste comédia romântica,  é isso, era uma comédia romantica cool, com personagens descolados que dariam certo, não seriam escravos do tempo, nem do sistema, eles seriam felizes para sempre porque estariam satisfeitos com suas escolhas, com esse roteiro a gente quer encorajar as pessoas do mundo a revelarem seus segredos bem antes da hora do fim, esse é um filme que não acúmulo de nada, ninguém super valoriza sua revelação, as pessoas vão lá e falam, lá aonde? perda de tempo acumular dizer e afeto, duas coisas que só cumprem sua função quando divididas, com esse roteiro,

Se fortaleceria em esperança de mãos dadas - , toda essa gente que finge não querer dar a mão pra ninguém, a gente precisa dizer assim ó: eu também preciso dar as mãos, aí o outro se convence que talvez ele precise também, ele vai parar de querer briga porque alguém disse pra ele que isso pode também, que a gente não precisa sair por aí se fingindo de forte, dá um trabalho danado parecer o que não é, você primeiro começa a parecer sem nem saber porque, depois o outro começa a ver essa pessoa que você se parece, depois você precisa cuidar de ser o que pareceu porque senão perde o seu lugar no mundo, ficará inclassificável, se tornará um ser temido,  tudo isso aconteceria em poucos segundos, ou minutos? essa coisa do tempo não tem medida, a gente precisa parar de fazer isso, porque é mentira, só por isso mesmo, cada um é dono do seu tempo, a gente sai por aí fingindo tempos comuns pra não se perder, pra sentir que não somos só, pra esquecer que no final das contas acabaremos sentados numa mesa de bar resistindo a doses de álcool de qualquer espécie


E pedidos antecipados de uma soda com uma fatia de laranja? Não limão, laranja mesmo. -laranja porque coisa muito ácida quase sempre provoca um tipo de comportamento ríspido, um tipo de indisposição social, uma coisa meio azeda. e só.

Em negrito provocação da maravilhosa Thais Menezes que sempre me inspira e me faz mais eu.

domingo, 8 de maio de 2016

joga fora

joga fora.
joga tudo fora.
apaga conversa.
apaga foto.
salva tudo num pendrive e manda embora.
manda embora.
tem coisa que não sai de dentro.
puxa que sai.
é sal.
uma coisa sempre gera outra coisa.
isso não muda.
tem opção.
sempre tem.
o que?


dores

eu queria falar sobre essas dores que eu tenho sentido, dores musculares, os músculos estão berrando, saltando e eu já não sei mais como caber nesse excesso. dores. dores como eu não me lembro de ter sentido. começou no ombro quase como um pretexto de cuidado do outro. depois o joelho não me deixou mover por uma noite. depois a posterior da perna esquerda. e agora as costas, num lugar preciso, um lugar que eu nem sabia que existia, mais pra esquerda. dói muito. eu to escrevendo pra ver se passa a doer menos. não tem nada de altruísta nisso,  essa é uma escrita que pretende curar. eu vou contar. vou dizer que você não pode dar a entender tanta coisa que não pode sustentar. eu fico aqui com esse aparador do out back que ganhei de presente mais ou menos, um presente seguido de não, não faz isso, será? medo. medo demais. te falta capacidade de sentar e deixar o tempo passar, sentar em qualquer lugar sem escolher muita coisa. o pior é que eu to numa fase da vida que não cabe lamento, não cabe sofrer, só cabe essas dores que estão me paralizando. tudo começou com muita coisa sentida, a gente observava em si, a gente entendia um pouco do mundo a partir do que a gente era junto. tem um cara auto centrado que é viciado em falta, que nunca está satisfeito, que não dá conta de ser menos em nenhuma área da vida. ele vem com muita força, fala alguma coisa sobre esperar o tempo necessário, sobre um coração que fica em paz com boas escolhas, fala sobre futuro abessa, sobre muitas coisas que ele nunca, algumas coisas sempre, ele sempre quis conversar com alguém de verdade, sempre quis ter seu espaço apesar de estar a dois, sempre quis morar no alto paraíso, sempre quis uma mulher inteligente, ele nunca tinha planejado uma viagem antes, ele nunca tinha se sentido tão bem, ele queria fazer isso por ela, ele dizia que queria. ele despertou uma coisa quase que insuportável pro mundo, pro mundo dela. tem um tipo de gente que quer demais, que anda por aí se decepcionando com o que as pessoas poderiam ser e não são, é um tipo de gente que quando encontra alguma coisa que parece fazer sentido entra na coisa de um jeito bruto, faz o que pode, diz quase tudo por si, pra si, o o outro pode achar que ele faz parte disso tudo, mas ele não faz, por acaso é ele, esse tipo de gente fala pra se convencer, o outro entra na dança também convencido achando que é isso mesmo que tem alguma coisa ali muito forte. forte. forte por fora, mas por dentro é uma coisa arisca que foge do que deseja.
aí, aconteceu muita coisa, teve até intervenção espiritual, de outro plano, teve gente abençoando, mas não adianta, ás vezes a gente não esta preparado pra ter o que pensa querer. as vezes a gente deixa passar. muita gente deixa passar. desde o início já era sabido que tinha uma força estranha ali, não seria fácil, desperdício. eu só queria que essa dor nas costas fosse embora. existem muitos mistérios entre as pessoas, existe um abismo enorme, pode ser insuportável essa capacidade de ver no outro espelho.
- cuida de não se desalinhar com o que a vida te oferta.  ela não costuma ser tão generosa, ás vezes as coisas se definem e não tem mais volta. cuida de ter coragem pra escolher e ficar na coisa, mesmo que doa. porque vai doer de qualquer jeito.



Alexandra Levasse

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

aspire-se

- por que é que você me pede tanta aspirina?
- é pra eu não me doer.
- como é que é? hein? você se dói?
- eu me doo o tempo todo.
- aonde?
- dentro, não sei explicar.

aliás, cada vez mais ela não se sabia explicar (...)

............................................................................Clarice Lispector

Macabéa o nome dela.
Depois há quem diga que ela era um ninguém perdido no mundo.