terça-feira, 18 de julho de 2017

Sobre buracos, bolinhas e jabuticabas.




Foto: Francesca Woodman.

Ela estava cansada disso tudo e decidiu, não ela não estava, ela cansou tem pouco tempo, cansou de ver essas caixas todas abertas querendo dizer alguma coisa, cansou de todas essas dores que passeiam pelos seus músculos, e ossos, e vísceras, e tudo isso que ninguém vê, pensou que seria legal abrir um pouco do vestido pra deixar ver, pensou que tinha aquele buraco logo acima e que se tivesse logo abaixo as pessoas poderiam fazer uma associação. Livre. A gente se pergunta o tempo todo o que fazer com esses vazios que ainda insistem em permanecer dentro dessas caixas sem fundo, a gente, no caso seria ela e a outra pessoa dona daquele buraco lá de cima, ele não me assusta, me sôa familiar, ele é um lugar conhecido do qual estou sempre partindo pra depois voltar. sabe o que acontece? eu me visto com esse vestido de bolinha, me abaixo logo abaixo desse buraco, abro um pedaço do vestido percebendo a semelhança entre nós e não sei que fazer com isso, eu percebo que cada bolinha dessa no fundo é um buraco que fizeram em mim, são várias cicatrizes redondas que eu fui colecionando de um jeito bonito e simétrico por não saber fazer diferente. A verdade é que eu nunca soube como dar conta de todo esse espaço pra dentro. Tudo passando muito rápido pela cabeça, movimentar, arrumar as caixas, as caixas eram o foco, o tempo dentro daquelas caixas, mas o que fazer com o tempo dentro da minha cabeça? Oco. Me senti derretendo, mole, tudo mole. Sim, eu sentia vergonha, vergonha daquele vazio todo, de todo aquele espaço a ser preenchido, eu era tudo aquilo que faltava naquelas caixas, naquele buraco, era tudo eu, tudo meu, memórias. Ela precisou ficar abaixada, porque de muitas formas tudo parecia desabar, e junto com isso a casa flutuava, hora se firmava de um lado, hora do outro, e eu ali no canto direito sem saber o que fazer com as mãos. O chão irregular, as paredes tentavam se firmar no prumo, prumo de que mesmo? A jabuticabeira, ainda tinha a jabuticabeira, ela morria a cada dia, assim como a gente morre também, mas esquece de ver, cada jabuticaba que caía vinha direto virar buraco em mim, e esse vestido, quanto mais o tempo passava mais ela era seca e oca, ela quem? securas sem cura. Jabuticaba, buracos, bolinhas, falar com Deus. Não quero mais a certeza das laranjas sempre no mesmo lugar.

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