quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Coma


A gente achou, eu achei que ele ia levantar de repente e dizer que era tudo uma brincadeira. Parecia que ele ia começar a dançar. Eu achei que ele iria tirar aqueles tubos na marra, e reclamar de frio no pé. Do jeito que tava a expressão, parecia que a qualquer momento ele ia dar uma gargalhada dessas sonoras. Eu achei que ele ia abrir o olho, como foi da última vez, abrir o olho, sentar e pedir um cigarro. Eu cheguei a trocar aquele cano da boca de lado porque pensei que poderia machucar, e eu sei o quanto ele sofre de alergia. Fiquei imaginando que diria alguma coisa muito rabujenta e começaria a cantar aquela música que ele cantava toda vez que ainda queria acreditar. Parecia mesmo. Eu achei que. Foi só um silêncio que tinha como fundo um burburinho das enfermeiras e aquela máquina que ainda insistia em acusar os batimentos cardíacos. A máquina trocou o som de repente, passou a apitar continuamente, de forma aguda. E a gente ficou ali olhando. Nada aconteceu nesse meio tempo, a máquina seguiu apitando, a gente ficou ali parado e ele, ele só morreu mesmo.


É engraçado porque eu acho que se ele pudesse escolher, ele não teria escolhido estar assim, em coma. Ele foi induzido a algo. 
Mas será que existia alguma escolha? 
Quem fala por você quando você já não pode falar? 
Quem tem a coragem de falar por você quando nem você conseguiu no momento em que ainda poderia?

Eu respondo: ninguém.

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