A gente achou, eu achei
que ele ia levantar de repente e dizer que era tudo uma brincadeira. Parecia
que ele ia começar a dançar. Eu achei que ele iria tirar aqueles tubos na
marra, e reclamar de frio no pé. Do jeito que tava a expressão, parecia que a
qualquer momento ele ia dar uma gargalhada dessas sonoras. Eu achei que ele ia
abrir o olho, como foi da última vez, abrir o olho, sentar e pedir um cigarro.
Eu cheguei a trocar aquele cano da boca de lado porque pensei que poderia
machucar, e eu sei o quanto ele sofre de alergia. Fiquei imaginando que diria
alguma coisa muito rabujenta e começaria a cantar aquela música que ele cantava
toda vez que ainda queria acreditar. Parecia mesmo. Eu achei que. Foi só um
silêncio que tinha como fundo um burburinho das enfermeiras e aquela máquina
que ainda insistia em acusar os batimentos cardíacos. A máquina trocou o som de
repente, passou a apitar continuamente, de forma aguda. E a gente ficou ali
olhando. Nada aconteceu nesse meio tempo, a máquina seguiu apitando, a gente
ficou ali parado e ele, ele só morreu mesmo.
É engraçado porque eu acho
que se ele pudesse escolher, ele não teria escolhido estar assim, em coma. Ele
foi induzido a algo.
Mas será que existia alguma escolha?
Quem fala por você
quando você já não pode falar?
Quem tem a coragem de falar por você quando nem
você conseguiu no momento em que ainda poderia?
Eu respondo: ninguém.
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