sábado, 18 de agosto de 2007

como flor

quando digo que muitas podem te servir de consolo, refiro-me a mim. nenhuma outra blusa te cairá tão bem, pelo menos a meu gosto. sabe, eu ando cansada de palavras mal postas, de canções fragmentadas, desse disse-não-me-disse, desse jogo que ninguém ganha. quisera eu ser mulher o bastante, te olhar nos olhos e dizer:

- Não vês que somos o suficiente?

- Por que de tanto atraso?

agora que o real entrou janela á dentro o lirismo desaparece sem dó. ando por lugares que cheiram a velho em busca do seu cheiro de novo. isso seria bonito se não fosse uma história mal contada. queria te escrever um poema, um trecho de Rita Apoena, que datilografa a alma feminina como ninguém - você se daria bem com ela, deveriam escrever um livro juntos - poderia também ligar-te e falar qualquer coisa que venha de dentro, assim de improviso mesmo, sem cena pronta, ando estafada de métrica, enlatado, escrever uma carta também seria autêntico, dizer coisas do tipo:

"ontem eu sonhei que me abraçava, era um abraço que me fazia ainda mais sua. eu gosto quando parece criança, quando termina uma frase sem pensar, quando me faz silêncio, quando discursa o texto que eu gostaria de ter escrito. gostaria de dizer que você quando longe, me dói."

coisas bobas mesmo,
coisa que só escreve quem se sente achada,
coisa de quem é só espera,
de quem vive pelas ruas com olhar disperso,
de quem procura um cheiro que passou.



***

terça-feira, 31 de julho de 2007

apego

Era iverno.

Mariana levantou ao meio-dia, abriu um sorriso de dar inveja ao sol e pensou em como seria bom se cada um ficasse enrolado, mergulhado em si até o momento que julgasse necessário. Ninguém melhor do que nós mesmos para entender as lamúrias da nossa alma. Alguns sábios dizem que "preguiça é revolta", se tivesse nascido em qualquer época turbulenta, seria ela a líder de uma revolução sem causa. A luta pelo nada, como toda e qualquer luta. Ela só queria aconchegar a alma, aquecer suas mãos, para não acabar resfriando. As revoltas são mais valiosas quando se esbraveja consigo. Aquele que grita para uma multidão é porque ainda não se convenceu de fato.

Mariana sabia das suas horas, sabia o exato momento de partir pra si.

Ela tinha graça, era a graça em pessoa e dançava até quando não sabia o passo, dançava sozinha sem atentar para tropeços comuns, como uma folha que sabe, mas não teme o impacto da queda.

Dançava,
dançava,
dançava até suas mãos ficarem frias.

Até que um dia frio-desses-qualquer resolveu experimentar dançar junto. Dançou com um vendedor de sorvetes que parecia ser seu amigo, dançavam horas e horas sem tropeços, com métrica, agora os passos eram precisos. Pensou em como um vendedor de sorvetes conseguia ter mãos tão aquecidas, mas desistiu de entender. Se apegou àquele par a ponto de nem se lembrar da dança consigo, das quedas, do frio nas mãos.

Um-dia-seguinte Mariana foi ao encontro do seu par que não mais estava. Chegou a se perguntar se algum dia esteve, olhou para o chão e viu um sorvete caído com a casca apontando pro céu, ameaçou pegar, mas desistiu de arriscar o calor que ainda conservava nas mãos. Acontece, que o moço não podia mais ficar ali, teve de habitar lugares mais quentes para vender seus sorvetes frios, fora vender sorvetes em outra freguesia.

Mariana sentiu frio nas mãos, resfriou e foi durmir.

sábado, 9 de junho de 2007

final feliz

- depois de tão pouca coisa, me senti alforriada, livre de você, como alguém que larga um vício. uma mistura insólida de liberdade e perda. um riso querendo chorar. é muito difícil tomar as rédeas do tempo, é mais fácil esperar que ele decida. agora, quando lembro do início, do meio, do fim, me parece que foi sonho, sou-lhe muito grata, me proporcionou o direito de sonhar acordada, sôa cafona, mas é verdade. a vida imita o teatro, a gente têm que saber pontuar pra ficar interessante, se não tudo se perde, e o que um dia foi bonito, termina num desastre.



foi assim, como apagar o último cigarro.

domingo, 6 de maio de 2007

"a poeira é só vontade que o chão têm de voar"

rita apoena

dor mundo

você nunca vai me ter se insistir em ser do mundo. porque o mundo já é meu há tempos, desulpe te dizer só agora. alguém me deu, não lembro quem, acho que foi Deus, ele disse assim:
- Menina, toma conta do mundo.

eu não pude recusar. ele é pai, e pai a gente ouve sem pestanejar.
por isso, ele é meu, e eu dele.

mais inteligente da sua parte seria se aliar aos mais fortes. isso na verdade é só um conselho, porquê eu também sei ser muito, na verdade nunca consegui ser outra coisa, você quase me ensinou que ser de um pode ser bom, mas não chegou a tanto. para que aja aprendizado, é preciso que aja entrega, almas nuas. algumas vezes eu ameacei ver além, via uma sombra, mas ela logo ia embora e a gente ficava ali naquela entrega pouca.

é preciso que se viva sabendo da força do tempo.
é preciso que se entenda que ser o todo é doído. Gandhi era um homem brilhante, mas não era bom pai. na vida é assim, ou você cuida de todos, ou de um só. não existe escolha, existe aptidão. já se nasce pro mundo ou para alguém do mundo.
agora me veio à cabeça: pode ser que o mundo também não seja só de um, logo, é possível que você também seja dele. agora me sinto traída, por você e pelo mundo. nunca me disseram nada! vocês são um do outro e eu sou uma de vocês dois. não sei se me agrada a idéia de ter que dividí-lo contigo. mas a vida é assim cheia de conflitos pequenos quando se nasce para um, e cheia de conflitos menores ainda quando se nasce para o todo. o todo nada mais é do que um vezes o infinito. logo pode-se nascer para cuidar de um ou de uns. quem é levado á segunda opção está condenado a dar mais do que recebe, o muito têm pouco pra dar, um pouco de cada um, o que pode ser um tanto, mas não preenche. quem ocupa a primeira opção vive de troca, a idéia é que os pesos e medidas sejam exatos, mas não são, nunca, ou quase nunca. a vida é cheia de graça e você está para um outro assim como o outro está para você, assim, você nunca está sozinho.

o todo condena e te faz parecer além.
até que você se sente Deus, é morto na cruz pelo cuidado pouco para com um monte e a vida passa a ser um rescussitar diário.

vidarte

só o teatro me permite voar.
a vida não.
preciso aprender a arte da vida pra ter material cênico, como você diz. o problema é que minha imaginação não presta, e diz:

- Não precisa ir tão fundo, dou conta do recado.


eu ouço e fico assim, na superfície, como espectadora da vida, como alguém que vê uma peça já sabendo o final, como alguém que se julga além disso tudo.

domingo, 8 de abril de 2007

a mudança é a felicidade

preciso agora narrar um grande encontro, digno de um roteiro de cinema.
sabe quando as festas são comuns sem que nenhuma das partes tenha se esforçado para tal?
tinham hora marcada, mas o tempo dessa vez colaborou e os colocou juntos antes mesmo do merecido. se encontraram numa festa de amigos em comum, únicos até eu diria. uma dádiva...
"supeitos de um crime perfeito"

os olhares cruzavam por alguns segundos descabidos, era quase um transe, um êxtase comum, vontade de correr dali naquele instante, não podiam, tinham hora marcada, um com o outro, e ai de um se ousasse interromper o combinado do outro. era um compromisso e tanto.
a festa era bonita, as pessoas incomuns, mas tudo tinha música, harmonia, colírio. os
anfitriões eram finlandeses, tornava-se obrigatório a pintura de ovos de galinha mesmo, é tradicional, eles retiram a parte interna e pedem pra que todos os convidados registrem
seus dotes ali mesmo, num ovo. era quase páscoa, eis o motivo, muito bom por sinal, artístico eu diria.
ela pintou seu momento, ele refletiu seu vício por ordem, tão óbvio que ela mesma poderia ter pintado que todos pensariam ter sido ele.
existiam frases soltas:
- A noite vai ser longa...
- Será?

sorte dela se flor.

ele resolveu parar com a bebida, foi até a cozinha pegar um refrigerante.
ela entendeu o recado e foi buscar água. ele voltou á varanda pra buscar copo, ela
bebeu no gargalo mesmo. tão diferente que até parecia vertigem.
no meio da sala, seguindo caminho oposto ela fala no meio de todos, mas era como se ninguém existisse, ninguém ouvia, não tinha fala quase, era um silêncio composto de uma articulação comum a essas duas almas apenas.

- Vamos embora?
- Vamos?
- Haham.

- Vou indo porque vou pegar uma carona com ela.
vale lembrar que existia uma ponte entre os caminhos.

o sentido não importava muito, eu acho.

despedidas seguidas de mensuras para que ficassem mais um pouco. não dava, era cansaço
demais.

ela decide ir no banheiro e o encontra a abrir a porta pra sair.
meio sorriso de um lado.
meio de outro.
sorriso completo.

foi difícil, mas finalmente livres. o barulho da porta sendo fechada, do elevador se
preparando pra subir, um beijo, dois, três com vontade de ser bem mais, vontade de desafiar
o tempo. o elevador chega e nada se modifica, agora de fato eram culpados. o elevador parou no primeiro. ops, lugar errado. a saída era na garagem. ela havia dito, mas ele estava muito ocupado pra ouvir. o elevador volta a subir. um dos dois atenta para o ocorrido, mas ninguém ouve, nem mesmo quem disse. o elevador pára exatamente no andar da festa dos ovinhos, entra um casal estrangeiro, um dos muitos que por lá estavam. nos comunicamos na medida do possível, sorrisos comuns, motivos bem diferentes. e mais uma despedida com perguntas em excesso.
o carro era quase uma carta de alforria, um grito no escuro, um sopro de luz.
o sinal fechado nunca fora tão querido, era como quase tudo gratuito, um instante de desordem.

finalmente chega-se onde deve, por acaso ou não, as mesmíssimas paredes daquela última vez. um dos dois pergunta se não será o fim. acontece que a pergunta era filosófica demais comparada a um momento tão prático.
nunca foram tão um do outro.
uma vontade de eternizar naquele exato.

nenhuma palavra conseguia falar, num primeiro momento tudo era silêncio.

alguns sorrisos tão cabíveis, bonitos. dormiram até, uma prova, seja lá do que for.

as palavras trocadas entre um momento e outro pouco importam. aquele encontro se fez
de silêncios coincidentes, confidentes, surpreendentes.

"não foge de mim. a mudança é a felicidade"

parece tudo mentira. acredito que seja mesmo. instantes como esses deveriam ser pintados em ovinhos.

sexta-feira, 9 de março de 2007

por inteiro

o tempo não esfria, aquece. tanto que quando duas almas que aguardavam por um encontro real não se dão ao luxo da razão, perdem o controle que esbanjavam tempos antes, se vêem sem armas, não podem consigo, se amam como se o mundo fosse acabar instantes depois.

o ser humano é mais bicho que o próprio bicho.
controle

o temos até que a alma grite, peça socorro, se agarre em outra que luta como ela. até que o coração resolva bater, até que o tempo insista em nos lembrar da sua longevidade.
depois de aguardar pelo tempo surge algo inesplicável, que gera culpa, medo de ambos os lados, de ambos os mundos, desses avessos.

a espera não faz nada além de nos preparar para a perda total.
algo como alçar vôo sem abrir as asas.

o seu rosto parecia arder num fogo invisível, suas mãos me puxavam pro desconhecido, pra perto de ti, pra longe de mim, as palavras saiam como sussurros imprecisos, doídas, contrárias.
a boca dizia não, o corpo gritava sim.

um corpo inteiro com vontade de.

o desejo nada mais é do que a vontade de ser o outro por algum sagrado instante.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

quando o carnaval chegar

"quem me vê sempre parado, distante, garante que eu não sei sambar

... tô me guardando pra quando o carnaval chegar

eu to só vendo, sabendo, sentindo, esperando, não posso falar

... tô me guardando pra quando o carnaval chegar

eu vejo as pernas de louça da moça que passa e não posso pegar
há quanto tempo desejo seu beijo molhado de maracujá

... tô me guardando pra quando o carnaval chegar

e quem me ofende humilhando, pisando, pensando que eu vou aturar
e quem me vê panhando da vida, duvida que eu vou revidar

...to me guardando pra quando o carbaval chegar


eu vejo a barra do dia surgindo, pedindo pra gente cantar
eu tenho tanta alegria adiada, abafada quem dera gritar

... to me guardando pra quando o carnaval chegar

...to me guardando pra quando o carnaval chegar"

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

resposta

- Por que você não veio essa noite?
- Disse-lhe que não iria.
- Não, não disse.
- Você ouve o que lhe agrada.
- Você cala o que convém...
- Esse é um caso?
- É?
- O que quer dessa vez?
- Delicadeza.
- Você sempre quer mais.
- Não quero mais.
- O quê?
- Nada.
- Não entendo...
- Nem eu...
- Tudo é tão simples.
- Você não entende nada...
- Faça-me entender? O que quer? O que lhe dou não basta?
- Não.
- O que quer? Diz!
- Quero flores...
- Só isso?
- Não. Quero palavras que me arranquem lágrimas, soluços, sentimento...
- O conflito a atrai tanto...
- Quero encanto, primeiro encontro, que pareças um herói americano cafona, um Vinícius de Moraes amante, um personagem rodrigueano, um cavaleiro do zodíaco, um príncipe das mil e uma noites...
- Pessoas costumam ser mais reais.
- Então não sou.
- O quê?
- Pessoa.
- È, sim.
- Acha mesmo?
- Certamente...
- Então, por que tudo parece tão pouco?
- Só parece.
- Quem disse?
- Eu.
- Você não sabe de nada...
- Será que não se julga muito?
- Faz sentido... Acha que peço absurdos? Sabe, quando abro minha janela, lá pelas 11 da manhã, traço um belo sorriso e penso: “hoje, hoje tudo estará resolvido”. Quando olho pro céu novamente, deparo-me com a hora de fechá-las, e seja lá o que tivesse que ter sido, não foi. Cada abrir e fechar diário leva um pouco de mim. Eu levo um pouco de fumaça. Alguém deve levar a resposta... Já se passaram tantas noites em que fui do fundo do poço à nuvem mais alta. Pena que na volta tudo insista em ser busca...
- Você é um absurdo. Quem é você?
- Sou o alimento dos poetas.
- Não te reconheço...
- Sou pérola. Amarga ou parente.
- Você parece ilusão...
- Sou.
- Como se chama?
- Maya.
- Agora entende por que não fui?

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

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"Greta Garbo: Mas por que é que você ia reparar numa mulher como eu? Estou sempre nervosa ou doente... triste... ou alegre demais."

sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

vem ver

às vezes sinto uma vontade irremediável de escrever...
é nessas horas que as palavras correm, voam como se me dissessem:
- Aguenta isso tudo sozinha.
- É pesado demais.
- Sabe que não.
- Não, não sei.

minhas costas doem e eu culpo os excessos físicos, só depois vejo que na verdade o que falta é justamente ele, o excesso. tudo tão contido, tão equilibrado que dói, dói na alma.
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a escrita acorrenta. e quando ela me pede que vá, eu imploro pra que fique,
como uma amante pede a noite do seu aniversário
implora por

algumas horas que sejam.
só quero durmir essa noite.

sabe quando a noite briga contigo para que não durmas, para que viva cada segundo que ela oferece? dói tanto que parece tortura. a cama pesa sob minhas costas também doídas de tantas cruzes reservadas pro meu bel prazer. não sei quando é cruz, quando é flor. dói sempre tanto. o olho não quer fechar. eu insito, brigo com meu sentido inquieto. eles não se fecham, a cabeça não pára de pensar no que poderia ter acontecido, no que gostaríamos com devoção que fosse menos abstrato. vivo o futuro de anos numa só noite e acordo com a melancolia daqueles que não têm muito mais o que fazer de olhos abertos.