sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Um Romance não escrito - Virginia Wolf

"A vida é o que se vê nos olhos das pessoas; a vida é o que elas aprendem e, depois que o aprenderam, jamais, embora procurem escondê-lo, deixaram de estar cientes - de quê? De que, parece, a vida é assim. (...) em cada rosto a consciência. Estranho, porém, como desejam dissimulá-la! Há sinais de reticência em todos os rostos: lábios cerrados, olhos sombrios, cada uma das 5 pessoas faz alguma coisa para esconder ou anular a consciência. Uma fuma; outra lê; a terceira verifica notas num livro de bolso; a quarta fita o mapa do trajeto no painel em frente; e a quinta é que não faz absolutamente nada. Ela olha a vida.

Ah, mas minha pobre e infeliz mulher, participe do jogo - por nossa causa, dissimule!"



VW

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

claRISSE mais eu

Descobri que há muito venho me faltando. É dolorido saber-se sem si. Ausente de si. Saber que por muito tempo busquei num outro tudo que estava no lugar certo. Tudo que não me dei o trabalho de buscar. Uma fuga. É um não gostar de si. Ao espelho: um não. Esse cabelo novo me fez mais real. Mais concreta. Mais alma. Deixei de viver por cima e o baixo da vida me foi apresentado. Ainda não me adaptei, mas percebi que antes eu era pura mentira. Como pode algo ser puro e mentiroso ao mesmo tempo? Pode, porque considero puro tudo que é fruto do gesto em si, do inconsciente que te dá uma ordem, já a mentira não, a mentira é ela propriamente e maliciosa, como um trocador que rouba 10 centavos de troco. Não gosto da pureza exacerbada. Tenho medo. Pois o puro é branco, e branco mancha com facilidade. É preciso lavar com uma freqüência insuportável. Apenas 1 vez de uso. Já com o preto, podemos fingir limpeza à vontade. Se parece com a mentira. A preocupação com o português e com o vocabulário de alguém com apenas 21 anos me fazem escrever com uma racionalidade nojenta. Não me alcanço. O medo de novo. Medo do erro pra mim e por mim. Pelo menos agora estou tentando não me parar, mas minha mão as vezes respira com o meu cérebro ainda ditando. Meu corpo é forte demais pra minh' alma. Por isso tantos equívocos. Agora, corpo, se me dá licença preciso ver minha alma. Ir ao meu encontro. Saber-me. Com ou sem cabelo arrumado. Chega de escrever sobre um outro que não vem. Ele sou eu. Eu tava de féria na Bahia, mas agora eu voltei cheia de vontade de mim. Fiquei assim por causa de um outro. E o agradeço por ter me permitido tal viagem, tal volta, tal passagem. É impossível saber-se sem um passado legitimo e bem marcado. Esse apego me irrita em demasia.Só hoje eu consegui parir o feto dele. O seu filho hoje nasceu. E é diferente saber-se com um filho. Esse filho sou eu. Fui mãe e filha mas sua, sempre sua. Agora não. Tenho o mundo. Depois dessa luz o mundo pode ser meu de novo. Só meu. Me sinto livre. Preciso voar com as minhas asas. Não quero mais romancear falando do que fui. Quero ser com legitimidade. Nem sei se sei. Mas sinto, e isso me basta. Asas. Como alguém que toma um gole de água por que é o suficiente. Estou rindo. Dei pra rir. É tão bom encontrar consigo. Não consigo parar de rir. Não posso, não quero mais parar de ser.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

a quinta de virgínia

quero ser a quinta não pra chegar depois, mas pra não ser aquela que ajeita o cabelo, fuma um cigarro, fala alto ou usa maquiagem pra parecer. quero ser o silêncio, casar com ele. ser aquela que fica no canto, que acontece por uma questão de necessidade, pra não me preocupar com chegadas, pra chegar manso, sentar com calma e falar o bastante pra ser ouvida.a quinta: a simplicidade de não ser muito, nem pouco.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

água de clarisse

"Mesmo para os descrentes há o instante do desespero que é divino: a ausência do Deus é um ato de religião. Neste mesmo instante estou pedindo ao Deus que me ajude. Estou precisando. Precisando mais do que a força humana. Sou forte mas também destrutiva. O Deus têm que vir a mim já que não tenho ido a Ele. Que o Deus venha: por favor. Mesmo que eu não mereça. Venha. Ou talvez os que menos merecem mais precisem. Sou inquieta e áspera e desesperançada. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor.

Às vezes me arranha como se fossem farpas.
Se tanto amor dentro de mim recebi e no entanto continuo inquieta é porque preciso que o Deus venha. Venha antes que seja tarde demais"


C.Lispector
adeno para o futuro (continuação, no caso de tudo isso não ser um estado presente):
"Corro perigo como toda pessoa que vive. E a única coisa que me espera é exatamente o inesperado. Mas sei que terei paz antes da morte e que experimentarei um dia o delicado da vida"


terça-feira, 14 de outubro de 2008

balão VERMElho

Foi doído ver-te tão comum,
num ônibus cheio de gente que trabalha, come e dorme,
num horário que todos se movimentam por doutrina temporal,
numa rua que nem asfalto tinha.

"A vida não é filme. Você não entendeu?"

NÃO. Você já?
Ninguém quer entender nada.
Ninguém sabe entender.

Ele diz: "quer coisa melhor do que conhecer uma pessoa que não existe?"
quero conhecer alguém que precise.

agora ele se mistura com tu, com nós.
nós: ele quer, tu queres e eu quero.
o querer é o mais ilegítimo dos verbos. em primeira pessoa então, chega a ser ofensivo. é um verbo imóvel, que paralisa. a gente quer o que ainda não têm, e provavelmente não terá, e caso tenha não quererá mais. é um prenúncio, um supiro de Deus, uma frase que antecede aquele silêncio gótico de quando parecíamos estar acabando um em relação ao outro.


"o quereres de estares sempre a fim
do que em mim é de mim tão desigual
faz-me quere-te bem
querer-te mal
bem a ti
mal ao quereres assim
infinitivamente pessoal
e eu querendo querer-te sem ter fim
e querendo te aprender o total
do querer que há
e do que não há em mim"
.querer é não se saber com
.
.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

leminskiando

o telefone tocou
me arrumei toda
pensei que era.

domingo, 5 de outubro de 2008

PARTE 2 de algo apenas

(...)

- Você é linda.
- Você, não?
- Teu corpo têm cheiro de livro novo.
- Gosta de ler?
- Gosto. Percebi que os livros escolhem a gente.
- Eu não escolhi você. Ou melhor, escolhi sim. A mulher sempre escolhe, mas se a questão fosse mesmo de escolha, e alguém tivesse me avisado, talvez a minha escolha fosse não te escolher. Talvez eu escolhesse diferente.
- Pois eu não. E nem você, creio eu. Você fala muita coisa que não pensa. Já me acostumei com a idéia de que tudo, ou quase tudo que você diz, não quer dizer, só diz por não saber dizer outra coisa. Por que esconde tanto o que sente?
- Porque todas as vezes que assumi doeu muito. E ainda dói, até hoje. Tenho dificuldade com cicatrizes. Resolvi tirar meu piercing do umbigo depois de 3 anos por mera dificuldade de adaptação a uma aproximação desse porte, e quando ele se foi, ficou um buraco que não fecha.
- Suas comparações são dignas de estudo aprofundado.
- Acha mesmo? Foi só uma tentativa de enlaçar o que não se pode tocar. Sei que isso te irrita. Mas não perco essa mania de desafiar leis gerais, mesmo sabendo que isso te irrita ainda mais.

(...)

PARTE 1 de algo que não sei

Ele deu um passo à frente, ela um passo atrás.

- Por quê?
- O quê?
- Me dá sua mão.
- Sua mão é grande demais pra mim.
- Eu te protejo.
- Por quantas horas?
- Já é alguma coisa.
- Não é nada.
- Melhor que nada.
- Melhor é nada.
- O tempo vai passar. A gente vai deixar de ser o que é.
- A gente é alguma coisa?
- Eu sinto vontade de você.
- Eu também.
- O quê?
- Sinto vontade de mim.
- Só?
- Por hora, sim. Você foi na exposição da Clarisse?
- Não.
- Vai.
- Vou.
- Ela fala de você lá. "Uma das muitas formas de entender é achar bonito".
- Eu?
- É. Você. A gente. Nos entendemos na beleza que não temos.

(...)

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

definir-se e arder, isso é amar

"Pinta-se o amor sempre menino, porque, ainda que passe dos sete anos, nunca chega à idade de uso da razão. Usar de razão e amar, são duas coisas que não se ajuntam. A alma de um menino que vem a ser? Uma vontade com afectos, e um entendimento sem uso. Tal é o amor vulgar. Tudo conquista o amor quando conquista uma alma; porém o primeiro rendido é o entendimento. Ninguém teve a vontade febricitante, que não tivesse o entendimento frenético. O amor deixará de variar, se for firme, mas não deixará de tresvariar, se é amor. Nunca o fogo abrasou a vontade que o fumo não cegasse o entendimento. Nunca houve enfermidade no coração que não houvesse fraqueza no juízo. Por isso os mesmos pintores do amor lhe vendaram os olhos. E como o primeiro efeito, ou a última disposição do amor, é cegar o entendimento, daqui vem que isto, que vulgarmente se chama amor, tem mais partes de ignorância; e quantas partes tem de ignorância, tantas lhe faltam de amor. Quem ama porque conhece, é amante; quem ama porque ignora é néscio. Assim como a ignorância na ofensa diminui o delito, assim no amor diminui o merecimento. Quem ignorando ofendeu, em rigor não é delinquente. Quem ignorando amou, em rigor não é amante"



PAV

quarta-feira, 30 de julho de 2008

dia branco

"
Se você vier
Pro que der e vier
Comigo...
Eu te prometo o sol
Se hoje o sol sair
Ou a chuva...
Se a chuva cair
Se você vier
Até onde a gente chegar
Numa praça
Na beira do mar
Um pedaço de qualquer lugar...
Se você vier
Pro que der e vier
Comigo...
"

sexta-feira, 4 de julho de 2008

DESABA - fo.

sobre a importância de, às vezes - ou (quase) sempre - ser menos

"caetanear" o que há de bom

estou me a vir
e tu como é que te tens por dentro?
porquê não te vens também?
caetano

quarta-feira, 25 de junho de 2008

de nós dois

é como se, metade madrugada fria, metade falta.

o frio me faz calmaria, pede coisas que há tempos ninguém ousa:
pede-me, por favor.
diz que a cama é quase sempre o melhor lugar, que a coberta, quando é humana esquenta com mais autenticidade. lembra-me coisas que me esforço o ano inteiro pra esquecer.
o frio traz a gente de volta pra gente, ou leva á um outro que também precisa de um.
nessa época do ano é bonito lembrar daquele chocolate com gosto, daquele abraço que fala, daquela mão, que daquele jeito, naquele minuto foi só sua.

lembrar do dia em que ser só não tinha graça, bom era ser dois com unidade.

quando o vento bate penso em como tudo estaria se ele não ventasse, se o tempo
fosse outro, se a palavra fosse: sim, não ou silêncio.

se lançar é ainda mais difícil quando o corpo pede calor.
calor é difícil de achar.
nem todo fogo aquece.
calor vêm da alma, é como se o sol se doasse por segundos, construindo um momento raro, sagrado, que abastece e nos coloca á postos pra vida.
uma questão de encontro de almas.
como caio já dizia:

"num deserto de almas uma alma especial encontra a outra de imediato"

é como se a vida chegasse bem perto com lucidez:
- Estou aqui. me usa, mas não abusa. ou pensa em colecionar vasos quebrados?
sobre a arte de ver o que ainda existe.
sobre não engolir a vida nem ser engolido por ela.
sobre a importância de pensar no que somos com um outro, por uma vida menos quebradiça.
sobre a arte de encontrar na vida algo tão puro e verdadeiro quanto uma canção do Roberto.

domingo, 8 de junho de 2008

estamos com fome de amor

"Vivemos cada vez mais tempo,
retardamos o envelhecimento
e estamos a cada dia mais belos
e mais sozinhos"
...
arnaldo jabor

domingo, 9 de março de 2008

arte

a arte é uma esquina da vida,
mostra-se nela o que não se pode traduzir na vida por motivos muitos.
a arte é uma droga,
é ausência
ou a presença insuportável de si.

escritos passados sobre aquela que me sonda com gosto.

sábado, 1 de março de 2008

Morangos Mofados

"Ah, fumarás demais, beberás em excesso, aborrecerás todos os amigos com tuas histórias desesperadas, noites e noites a fio permanecerás insone, a fantasia desenfreada e o sexo em brasa, dormirás dias adentro, faltarás ao trabalho, escreverás cartas que não serão nunca enviadas, consultarás búzios, números, cartas e astros, pensarás em fugas e suícidios em cada minuto de cada novo dia, chorarás desamparado atravessando madrugadas em tua cama vazia, não conseguirás sorrir nem caminhar alheio pelas ruas sem descobrires em algum jeito alheio o jeito exato dele, em algum cheiro o cheiro preciso dele (...) mas sabes, principalmente, com uma certa misericórdia doce por ti, por todos, que tudo passará um dia, quem sabe tão de repente quanto veio, ou lentamente, não importa. Só não saberás nunca que neste exato momento tens a beleza insuportável da coisa inteiramente viva."

Caio Fernando Abreu

sábado, 23 de fevereiro de 2008

despe - dir

é duro se vestir pra quem se despe com outro.


tchau.

este, agora é honesto.

o vestido já manchou,
o lenço já caiu e ninguém pegou,
não quero esperar por mais.
parece que passou como as horas,
que se despedem sem esperar convite,
como se só valesse a pena por ser irremediável.
eu te fiz solução,
mas você é carente de remédio - mais que eu inclusive.
só eu fui capaz de aliviar-te quando a farmácia não servia.
eu servia,
e servia com prazer.
...e ainda sirvo sem querer,
como um escravo que não sabe o que fazer com a auforria.

domingo, 27 de janeiro de 2008

folia

"diz meu bem, o que é que você têm? diz meu bem, que eu quero ter também"

A Folia da Menina Passarim
música de Claudio Lyra, o moço que canta leve.


...