sábado, 24 de dezembro de 2005

Espelho

É bom sentir tua mão tocando o meu braço exausto de tanto peso carregado, sentir que me prezas, mesmo que isso não baste. Sentir teu cheiro sempre que te aproximas e me inibe com tantos olhares distorcidos. Parece que queres me falar, e me falas. Assumo que entendo. Entendo, pois é pra isso mesmo que te busco, te busco sem que sintas para ouvir exatamente o que dizes. Falas da tua transparente forma que acanha a minha sensível vaidade. Acanha porque fala-me os contornos, os sorrisos, a pinta insignificante no braço, o olhar mais direcionado, o andar característico, a parte da barriga que aparece, medes exatamente a distância entre a blusa e a calça, e com um gesto sutil abaixas a blusa para diminuí-la. Notas a cor do meu cabelo, e nunca dizes não estar bom. Aprecias cada suspiro, cada frase pronta que eu te digo, sem a menor certeza. Tu nem imaginas tal possibilidade e encaras como verdade - me fazendo ainda mais vaidosa. Me preenxes, me falas de uma inteligência que desconheço, me estudas te vendo no espelho, te fazes bem ver-te em mim. Não me gostas sincera ao extremo, te dói ouvir detalhes sentimentais quando o atuante não és tu. Mas insistes, sabes que eu não falaria e por isso desfarça sua insegurança com uma curiosidade imatura. Finges ser menos sensível ao que posso revelar, mas te vejo no espelho e sei que esse se quebraria ao me ouvir falar de um outro que não me vigora tanto quanto tu. Ficaríamos aos pedaços e não restaria sequer sombra de duas pessoas que por estar perto demais não se viam.
Não sabiam definir suas formas.
Esses encontros os fizeram um só diferente daqueles refletidos.

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