segunda-feira, 20 de abril de 2009

algo cenicamente também (ainda) não dito

Andei pensando sobre essa coisa de dizer algo. A necessidade, a urgência de dizer. Pode ser uma angústia pessoal: a dificuldade de dizer o que precisa ser dito, mas acho que não. Talvez seja o mal do século: falar alguma coisa sobre uma outra, que dá na outra, que dá na outra, que dá na outra...

Vamos lá.


Você acende o abajur do canto, apaga a luz mais forte pra criar um clima e começa a falar. Diria, por exemplo: Como você sabe, a gente, as pessoas infelizmente têm essa coisa, emoções... Talvez eu perguntasse: Infelizmente? Você continua: Seria tão bom se pudéssemos nos relacionar sem que nenhum dos dois esperasse absolutamente nada, mas infelizmente (você insiste), infelizmente nós temos emoções.

Tem uma citação do caio que é assim:
“as pessoas falam coisas,
e por trás do que falam há o que sentem,
e por trás do que sentem há o que são”.
É por causa dessa falta de controle que você diria isso, eu imagino. Essa coisa de não saber quando chegou o fundo é difícil de lidar.

Há meses que eu espero pelo momento certo, pelo texto certo. Essa coisa de expectativa só serve pra deixar a gente sem ter o que dizer na hora.
(encho o cálice de vinho) Bom, nesse silêncio eu preciso fazer alguma coisa, talvez coloque uma música ou ensaie um gesto, ou talvez não faça nada. Por um momento eu posso pensar em chegar mais perto com o coração a mil, mas você não diz nada. Eu penso num corredor escuro, e me vejo andando como uma cega que pressente o vazio, o poço que vai afundar. Penso em acender a luz, dar uma gargalhada ridícula, acabar de vez com isso. É muito fácil fingir que tudo estaria bem, que nunca houve emoções. Logo depois, um minuto depois eu penso em deixar o cálice na mesa e ir em direção a esse cara que olha pra dentro. Penso em dar um beijo. Vou desejar decifrar esse corpo com a língua, romper todas as barreiras do medo do nojo, beber todos os líquidos, sugar todos os cheiros até que a gente possa virar um só, de luzes apagadas e roupas no chão. Logo em seguida percebo que eu não serei ele e que ele não sou eu. Desejaria manter esse estado, esse desejo. Mas ele não saberá de nada se eu continuar com medo que uma palavra ou gesto destrua essa cena bem armada, em que cada vez mais mergulho em mim, nas minhas emoções, enquanto ele esfrega as mãos no joelho quase inocente e me espera terminar o que comecei.
Você continuaria ausente de tudo. E a cada manhã eu vou me olhar no espelho, notar novas rugas, certa do futuro que me espera. Não poderei voltar atrás, e sei que qualquer coisa que eu diga não vai dizer o suficiente pra me levar pro céu ou pro inferno. Mas sei também que tudo vai passar um dia, tão de repente quanto veio, ou lentamente, não importa. Só não vou saber que naquele momento exato eu teria a beleza insuportável da coisa inteiramente viva. Eu acendo o abajur do canto da sala depois de apagar a luz mais forte pra criar um clima. E finalmente, começo a falar.
uma adaptação bem livre do conto natureza viva do caio.
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