quinta-feira, 29 de maio de 2014

Dois velhinhos e uma noite fria

era uma vez 
uma menina 
que morreu 
sufocada de amor


desabafo da menina morta:

- é um absurdo, é assim, uma ironia da vida, a gente fantasia, imagina como vai ser, eu acho que eu não mereço, não mereço mesmo saber de um pedido de casamento abortado, saber que o anel de noivado que seria meu agora esta penhorado, realmente, realmente é uma baixaria da vida em relação a mim.

é assim: o seu pedido de casamento não existiu, ele venceu antes do prazo, ele está no Futuro do Pretérito do Indicativo.

regarde toi:

eu seria (pedida em casamento no dia 7 de junho)
tu serias (aceito como meu noivo no dia 7 de junho)
ele seria (convidado para padrinho no dia 7 de junho)
nós seríamos (noivos no dia 7 de junho)
vós seríeis (o homem mais feliz do mundo no dia 7 de junho
eles seriam (convidados para o casamento no noivado do dia 7 de junho)


Do verbo não será mais, do verbo ia, do tipo, as coisas aconteceram num contexto paralelo e você era o que menos importava em tudo isso.

e daí depois de tudo isso, como se já não bastasse esse desrespeito da vida, ela chega no ponto com um guarda chuva cereja, sim, porque agora tudo que era vinho virou cereja, e isso de fato, faz toda diferença, quando ela disse que detestava vinho, a sua mãe disse, mas não é vinho, é cereja, a partir daí ela passou a amar a cor, e hoje, por acaso, ou não, seu guarda chuva era cereja, ela vinha com ele, depois de ouvir sobre essa coisa do casamento que nunca existiu, ela veio com ele debaixo do guarda chuva vinho, vinho não, cereja, ela falou banalidades da vida cotidiana, e seguiram, até que no ponto de ônibus, no frio, assim, muito frio, lá pelas 10 da noite eles se deparam com um casal de velhinhos, assim, se fosse um filme, eles jamais achariam velhinhos tão velhinhos, eles eram mais fofos do que qualquer casal de velhinhos de qualquer filme, ou seja eles eram um exagero de velhinhos,

ele fechou o guarda chuva, 
ela chorou,
ela só conseguiu chorar.

Diálogo com os velhinhos encantados:

Velhinha - Vocês sabiam que o amor é lindo?
Ela chora.
Ele - Vocês estão juntos a quanto tempo?
Velhinha - 62 anos. E vocês?
Ela chora.
Velhinha - É, tem que ter muita compreensão, muita paciência, tem que passar por cima de muita coisa, se um afrouxa a corda o outro puxa. É assim, mas é muito bom.
Ele - A gente não está mais junto.
Velhinho - Mas se gosta porque terminou?

Ela chora.
O ônibus chega. 

Velhinha - Vocês tem que continuar. Não termina não, continua.

ela entra no ônibus e fica paralisada por cerca de 20 minutos, apática olhando pela janela, olhando as coisas passarem, tentando entender o que foi aquilo, tentando entender de onde vieram esses velhinhos, pensando que isso foi uma espécie de mensagem, ela lembra que a velhinha disse que ela parecia ter 18 anos, e ele 22, ela pensa que esses velhinhos não poderiam estar ali naquela hora, naquele frio, ela olha por muito tempo sem conseguir mover nenhuma parte do corpo, ela quase que não respira pra não perder essa espécie de encontro com Deus, ela deseja alguma resposta, alguma explicação pra tudo aquilo, ela fica sufocada esperando algum sinal, alguma luz que diga qualquer coisa que possa dar sentido àquela cena. porque aquilo? como aqueles velhinhos foram parar ali naquela hora, naquele frio?

até que ela entende alguma coisa, 
ela entende que eles não estavam mesmo ali, 
eles estavam dormindo numa cama bem quente, 
aquilo ali era outra coisa.



 - Nada é definitivo.


sábado, 24 de maio de 2014

chove?

e eu sinto, 
eu vejo que está todo mundo procurando sentido em qualquer coisa,
ta todo mundo correndo pra fora do vazio, 
ta todo mundo com medo que chova,
e o pior?
sempre chove.



acontece assim: tem um cara que não gosta do que faz, ele diz que precisa mudar de área, ele diz que está infeliz e que viveu processos depressivos, ele diz que as pessoas que conseguem se manter num trabalho que não amam se mantém por motivos outros, se mantém porque tem um filho, uma esposa esperando, ele não, ele não tinha ninguém, nada, então precisava mudar de área. 
isso foi a coisa mais triste que alguém já me disse.

teve um outro caso: um amigo passou 4 anos sem transar com ninguém. motivo? amor.

eu percebo também que depois de muita presença, existe uma falta que quase tira o sentido de tudo, uma falta quase suicida, assim, uma falta que invalida tudo que fez sentido até então, essa falta é parecida com a sensação pós droga, é muita felicidade pra muita tristeza depois, as pessoas não aguentam com extremos, ou melhor, eu, eu, quando tomei um ácido senti vontade de comer, morder, beber o mundo, mas o mundo não coube, daí no dia seguinte a frustração de não ter dado conta se misturou com um esvaziamento, gerando uma fraqueza, uma incapacidade diante do mundo, uma vergonha de ter fracassado diante dele.
não dá, e quando não dá tem que comprar um número maior, ou menor. não dá. esse não dá. não. não é não, isso quase nunca muda.


- o mundo não cabe dentro de você, menina.

- ta na hora de pensar no que você tem.


- eu tenho gastrite nervosa. 
serve?



um espirro. 
tudo acontece no tempo de um espirro.

eu vim escrever pra tentar clarear algumas coisas na minha cabeça, mas 
eu já não me lembro mais o que eu dizia.