quinta-feira, 16 de outubro de 2008

água de clarisse

"Mesmo para os descrentes há o instante do desespero que é divino: a ausência do Deus é um ato de religião. Neste mesmo instante estou pedindo ao Deus que me ajude. Estou precisando. Precisando mais do que a força humana. Sou forte mas também destrutiva. O Deus têm que vir a mim já que não tenho ido a Ele. Que o Deus venha: por favor. Mesmo que eu não mereça. Venha. Ou talvez os que menos merecem mais precisem. Sou inquieta e áspera e desesperançada. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor.

Às vezes me arranha como se fossem farpas.
Se tanto amor dentro de mim recebi e no entanto continuo inquieta é porque preciso que o Deus venha. Venha antes que seja tarde demais"


C.Lispector
adeno para o futuro (continuação, no caso de tudo isso não ser um estado presente):
"Corro perigo como toda pessoa que vive. E a única coisa que me espera é exatamente o inesperado. Mas sei que terei paz antes da morte e que experimentarei um dia o delicado da vida"


terça-feira, 14 de outubro de 2008

balão VERMElho

Foi doído ver-te tão comum,
num ônibus cheio de gente que trabalha, come e dorme,
num horário que todos se movimentam por doutrina temporal,
numa rua que nem asfalto tinha.

"A vida não é filme. Você não entendeu?"

NÃO. Você já?
Ninguém quer entender nada.
Ninguém sabe entender.

Ele diz: "quer coisa melhor do que conhecer uma pessoa que não existe?"
quero conhecer alguém que precise.

agora ele se mistura com tu, com nós.
nós: ele quer, tu queres e eu quero.
o querer é o mais ilegítimo dos verbos. em primeira pessoa então, chega a ser ofensivo. é um verbo imóvel, que paralisa. a gente quer o que ainda não têm, e provavelmente não terá, e caso tenha não quererá mais. é um prenúncio, um supiro de Deus, uma frase que antecede aquele silêncio gótico de quando parecíamos estar acabando um em relação ao outro.


"o quereres de estares sempre a fim
do que em mim é de mim tão desigual
faz-me quere-te bem
querer-te mal
bem a ti
mal ao quereres assim
infinitivamente pessoal
e eu querendo querer-te sem ter fim
e querendo te aprender o total
do querer que há
e do que não há em mim"
.querer é não se saber com
.
.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

leminskiando

o telefone tocou
me arrumei toda
pensei que era.

domingo, 5 de outubro de 2008

PARTE 2 de algo apenas

(...)

- Você é linda.
- Você, não?
- Teu corpo têm cheiro de livro novo.
- Gosta de ler?
- Gosto. Percebi que os livros escolhem a gente.
- Eu não escolhi você. Ou melhor, escolhi sim. A mulher sempre escolhe, mas se a questão fosse mesmo de escolha, e alguém tivesse me avisado, talvez a minha escolha fosse não te escolher. Talvez eu escolhesse diferente.
- Pois eu não. E nem você, creio eu. Você fala muita coisa que não pensa. Já me acostumei com a idéia de que tudo, ou quase tudo que você diz, não quer dizer, só diz por não saber dizer outra coisa. Por que esconde tanto o que sente?
- Porque todas as vezes que assumi doeu muito. E ainda dói, até hoje. Tenho dificuldade com cicatrizes. Resolvi tirar meu piercing do umbigo depois de 3 anos por mera dificuldade de adaptação a uma aproximação desse porte, e quando ele se foi, ficou um buraco que não fecha.
- Suas comparações são dignas de estudo aprofundado.
- Acha mesmo? Foi só uma tentativa de enlaçar o que não se pode tocar. Sei que isso te irrita. Mas não perco essa mania de desafiar leis gerais, mesmo sabendo que isso te irrita ainda mais.

(...)

PARTE 1 de algo que não sei

Ele deu um passo à frente, ela um passo atrás.

- Por quê?
- O quê?
- Me dá sua mão.
- Sua mão é grande demais pra mim.
- Eu te protejo.
- Por quantas horas?
- Já é alguma coisa.
- Não é nada.
- Melhor que nada.
- Melhor é nada.
- O tempo vai passar. A gente vai deixar de ser o que é.
- A gente é alguma coisa?
- Eu sinto vontade de você.
- Eu também.
- O quê?
- Sinto vontade de mim.
- Só?
- Por hora, sim. Você foi na exposição da Clarisse?
- Não.
- Vai.
- Vou.
- Ela fala de você lá. "Uma das muitas formas de entender é achar bonito".
- Eu?
- É. Você. A gente. Nos entendemos na beleza que não temos.

(...)